Carta
Aberta do Instituto de Arquitetos do Brasil – DF, do Sindicato de Arquitetos –
DF e do Grupo de Arquitetos e Servidores do GDF.
Ao Governador
eleito do Distrito Federal
Agnelo
Queiroz
A
esperança que o novo Governo do Distrito Federal traz aos brasilienses, após
uma crise ética sem precedentes no trato da coisa pública, encerra o desafio e
o compromisso de governar com a participação efetiva da sociedade brasiliense
nas decisões e ações governamentais.
Nessa
perspectiva, os arquitetos brasilienses, cientes da relevância da Arquitetura
como manifestação cultural, determinante na formação da identidade e da
independência de um povo, e como instrumento eficaz de desenvolvimento urbano e
humano, desejam contribuir para a formulação e o gerenciamento da Política
Urbana do Distrito Federal, apontando algumas questões que demandam atenção
prioritária da próxima administração.
1.
Integração e Articulação na Gestão do Planejamento Urbano:
Atualmente,
as ações de planejamento, desenvolvimento e intervenção urbana no Distrito
Federal ocorrem de forma fragmentada e desarticulada. Os órgãos envolvidos com
o planejamento urbano atuam sem a devida articulação técnica, com sobreposição
de funções e desobediência às diversas instâncias decisórias. Os diversos
instrumentos de planejamento existentes, tais como: PDOT, cuja atualização deve
ser prioridade do novo governo, PPCUB, LUOS, Código de Posturas, Código de
Obras e Edificações, Plano Diretor de Saneamento, Plano Diretor de Transportes,
Plano Diretor de Publicidade etc. não têm funcionado de forma integrada. Assim,
é fundamental avaliar os mecanismos de ação dos diversos órgãos diretamente envolvidos
com a questão urbana, no sentido de promover a integração e articulação, em
todos os níveis de governo, de programas de urbanização, de habitação, de
regularização urbanística e fundiária, de proteção ambiental, de preservação
cultural, entre outros, com a política de planejamento urbano.
Proposta
Efetivar
o Sistema de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal – SISPLAN
previsto na Lei Orgânica (Art. 326), no sentido de romper com o atual quadro de
fragmentação, desarticulação e sobreposição institucional em relação à política
urbana, e possibilitar a articulação, compatibilização e complementação das
políticas setoriais do governo.
Fortalecer
o órgão executivo central do SISPLAN, dotando-a de uma estrutura eficaz,
capacitada e compatível para responder por suas responsabilidades quanto às
questões urbana, ambiental, habitacional e patrimonial...
...Efetivar
o Sistema de Informação Territorial e Urbana do Distrito Federal – SITURB, previsto
na Lei Orgânica (Art. 324), na perspectiva de aperfeiçoar o tratamento das
informações referentes ao uso e ocupação do solo, e garantir sua
disponibilização ao público.
2. Democratização
do Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal – CONPLAN
– órgão colegiado que compõe o SISPLAN
A
existência do CONPLAN na estrutura do Governo deve viabilizar a participação
social na formulação e execução da política urbana. Desse ponto de vista, sua
composição deveria contemplar os diversos segmentos que constituem a sociedade,
tais como: setor produtivo, organizações sociais, ONGs, entidades
profissionais, acadêmicas e de pesquisa, entidades sindicais e órgãos
governamentais. Sua função, consultiva e deliberativa, deveria auxiliar a
Gestão Pública na formulação, análise, acompanhamento e atualização das
diretrizes e dos instrumentos de implementação da política territorial e
urbana, com representatividade e participação efetiva da população. Essa
função, no entanto, não está sendo plenamente cumprida, uma vez que tem apenas legitimado
as decisões do governo, por serem, os conselheiros, representantes da sociedade
indicados pelo próprio governo.
Proposta
Transformação do atual CONPLAN numa
instituição nos moldes do Conselho das Cidades do Governo Federal. A proposta é
tornar o CONPLAN um fórum efetivamente participativo e representativo da
sociedade brasiliense, ampliando a participação da população. Reivindica-se a participação
das entidades de arquitetos e de demais organizações profissionais e populares
no acompanhamento e controle dos processos de planejamento urbano e
territorial, e na definição de critérios para contratação de projetos de
arquitetura e de urbanismo de interesse público.
3.
Gestão do Patrimônio Cultural da Humanidade
Atualmente
a gestão do Conjunto Urbanístico de Brasília, Monumento Histórico Nacional e
Patrimônio Cultural da Humanidade, que compreende o sítio histórico definido
pela poligonal de tombamento federal, abrangendo quatro regiões administrativas
(Plano Piloto, Cruzeiro, Candangolândia e Sudoeste/Áreas Octogonais), está
concentrada em uma diretoria da SUPLAN/SEDUMA.
A
inexistência de uma estrutura técnico-administrativa distrital, compatível com
a demanda protecionista desse patrimônio, explicita não só a falta de
prioridade desse tema na agenda política, mas, sobretudo, a imensa fragilidade
institucional do Governo do Distrito Federal no trato de uma questão de tamanha
relevância e complexidade, haja vista a responsabilidade decorrente dos
compromissos governamentais assumidos pela preservação de Brasília como
patrimônio histórico nacional e mundial.
Proposta
Criar
no âmbito do Governo do Distrito Federal uma estrutura administrativa capaz de
responder pela preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, com status
político, técnico e operacional compatível com as demandas específicas da área
sob tombamento federal e reconhecida como Patrimônio Mundial.
Empreender
ações para o estabelecimento de cooperação técnica entre o GDF e o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, na perspectiva de garantir
ações articuladas de proteção e sustentabilidade do conjunto urbano tombado.
Revisar
o atual modelo de consulta à sociedade para o modelo onde as próprias entidades
definam as instâncias de discussão. Propõe-se ampliar a discussão com as
entidades representativas de segmentos profissionais, econômicos e acadêmicos.
4. Controle
e Gestão do Uso e Ocupação do Território
O
Distrito Federal sofre com os impactos danosos da ocupação irregular de seu território,
causando problemas graves de infra-estrutura urbana e meio-ambiente. O poder
público, durante anos, mostrou-se omisso a essa situação, favorecendo
movimentos de grilagem de terras públicas e privadas.
Proposta
Fortalecer os mecanismos de controle e vigilância da ocupação do
território, inclusive externos ao aparelho governamental, a fim de se
evitar o avanço das ocupações irregulares do solo urbano e rural e da grilagem
de terras, públicas e privadas, urbanas e rurais, com a responsabilização e punição
severa dos infratores.
O GDF deve promover ampla e permanente
campanha de difusão das consequências danosas à sociedade, ao meio natural e ao
espaço urbano, geradas pela ocupação ilegal do território.
5. Implantação
da Lei de Assistência Técnica à Habitação de Interesse Social
A
população de baixa renda tem sido historicamente desassistida dos serviços
técnicos profissionais do arquiteto ou do engenheiro. Como resultado, muitas
habitações são construídas em áreas de risco e sem a técnica que ofereça
estabilidade, conforto e dimensionamentos adequados à segurança e ao bem-estar
do cidadão. Com a implementação da Lei de Assistência Técnica, a população com
renda até três salários mínimos poderá usufruir de toda assistência necessária
à construção da sonhada casa própria.
Proposta
Efetivação
do instrumento jurídico da Assistência Técnica na produção de Habitações de
Interesse Social. A implantação da
Lei de Assistência Técnica (Lei 11.888/2009), fruto de mais de 30 anos de luta
dos arquitetos, garantirá a universalização do direito à arquitetura,
resultando em habitações mais dignas e em soluções construtivas adequadas às
condições de trabalho, ao bem-estar da sociedade, respeitando-se o
meio-ambiente, e em prol da redução de custos e desperdícios.
6.
Valorização
da Estrutura Institucional Pública
A tese do Estado mínimo, que se
amparava no ideário neoliberal, onde o mercado seria preponderante e assumiria
certas funções de governo, causou, entre outros problemas, o desmantelamento e
a desarticulação da máquina pública do Distrito Federal. Raros foram os setores
administrativos que conseguiram manter suas estruturas e cumprir
satisfatoriamente com as suas obrigações institucionais. Vide o caso da Saúde,
da Educação, da Cultura e outros mais.
No setor de planejamento e
desenvolvimento urbano a situação não foi diferente. Ao longo dos últimos anos,
esse setor perdeu boa parte de sua capacidade técnica e operativa. Convive com
uma injustificada defasagem tecnológica que compromete o seu desempenho
institucional, sobretudo, no que tange à área de cartografia, arquivamento,
elaboração de projetos e geoprocessamento.
Como agravante a esse quadro
institucional, as duas principais carreiras responsáveis pelas ações de
planejamento e desenvolvimento urbano, convivem com uma incompreensível
distorção salarial de cerca de 40%. Enquanto a Carreira de Auditoria de
Atividades Urbanas, que é responsável pela fiscalização urbana, possui uma
remuneração digna e compatível com as suas atribuições, a Carreira de
Planejamento e Gestão Urbana que possui atribuições de mesmo grau de
responsabilidade e complexidade percebe um dos menores salários do quadro
técnico de nível superior do Governo do Distrito Federal.
Há que se considerar, também, as
disparidades existentes entre as remunerações dos cargos comissionados, que
privilegiam as assessorias dos gabinetes em detrimento das funções de
gerenciamento e direção.
Frente
a esse quadro, é imprescindível instituir de imediato uma política consistente
e responsável de valorização profissional dos servidores, respeitando-se, não
só as particularidades de cada categoria, como também a participação destes na
resolução dos seus problemas institucionais.
Proposta
Promover
a necessária valorização do ambiente de trabalho, incluindo a revisão salarial
dos servidores da Carreira de Planejamento e Gestão Urbana, na perspectiva de
corrigir a distorção na remuneração existente.
Rever
as remunerações dos cargos comissionados da SEDUMA, de maneira a valorizar as
funções de direção, gerenciamento e suas respectivas assessorias.
Prover a instituição de equipamentos e
softwares atualizados, e promover a capacitação para atualização tecnológica da
estrutura técnico-administrativa da SEDUMA.
7.
Fortalecimento
Institucional das Administrações Regionais
As Administrações Regionais são órgãos
responsáveis pela execução das ações governamentais em cada Região
Administrativa – RA, atuando na prestação de serviços e obras públicas de
natureza local, entre as quais constam a análise, a aprovação e o licenciamento
de projetos edilícios, bem como o licenciamento e a fiscalização de obras
públicas e a expedição de alvarás de funcionamento de atividades econômicas.
Este trabalho, pela sua natureza, exige profissionais com qualificação técnica
específica.
Atualmente, o Distrito Federal
possui 30 RAs e a grande maioria não tem uma unidade técnica estruturada e
capacitada para responder por essa atribuição. Além do grande déficit de
servidores de carreira da área de planejamento urbano, as Administrações
concentram grande número de funcionários apadrinhados políticos. Situação que é
agravada pela baixa capacitação técnica e alta rotatividade
desses funcionários, cuja permanência fica condicionada aos arranjos políticos.
Este
fenômeno cria ainda uma enorme distorção no funcionamento dessas unidades,
comprometendo seu desempenho institucional e trazendo sérios prejuízos à gestão
territorial e urbana.
Outro
problema é a desarticulação entre as ações dessas regionais e a SEDUMA. A
criação de mecanismos de aproximação entre o Governo e a comunidade resultaria
em uma melhor gestão dos recursos e serviços públicos.
Proposta
Ampliar
e capacitar o quadro técnico das RAs, por meio de concursos públicos e
programas de capacitação profissional aos servidores do quadro.
Reordenar
as estruturas operacionais das RAs e reavaliar suas competências e atribuições
técnico-institucional em relação ao planejamento urbano local.
Promover
maior articulação técnica-operacional entre as RAs e SEDUMA.
Reavaliar
a competência institucional e a estratégia de ação da Coordenadoria das Cidades.
8. Gestão
Equilibrada do Processo de Terceirização de Projetos de Arquitetura e Urbanismo
A tese
do Estado mínimo, que se amparava no ideário neoliberal, onde o mercado seria preponderante
e assumiria certas funções de governo, causou, entre outros problemas, o desmantelamento
e a desarticulação da máquina pública do Distrito Federal. Raros foram os
setores administrativos que conseguiram manter suas estruturas e cumprir
satisfatoriamente com as suas obrigações institucionais. Vide o caso da Saúde,
da Educação, da Cultura, entre outros. No entanto, o Governo do Distrito
Federal dispõe de arquitetos urbanistas devidamente capacitados e
especializados nas atividades de diversos órgãos governamentais, o que os
tornam mais aptos a produzirem os projetos respectivos.
A
contratação de projetos terceirizados deve ocorrer nos momentos e nas condições
em que a administração pública não disponha dos recursos humanos e materiais
necessários e suficientes para a execução dos serviços.
Proposta
Fortalecer,
ampliar e capacitar a equipe técnica dos órgãos responsáveis por projetos,
planejamento e desenvolvimento urbano, de forma que os projetos arquitetônicos
e urbanísticos possam ser desenvolvidos, preferencialmente, pelo corpo técnico
governamental.
Utilizar
critérios de contratação de terceiros para a realização de estudos e projetos
pontuais e específicos, inseridos no âmbito de ações estratégicas coordenadas
pela equipe técnica da administração pública.
Contratar
projetos terceirizados pela modalidade de Concurso Público de Projeto.
Viabilizar
convênio com Universidades e instituições de pesquisa, para apoio e troca de experiências
referentes ao desenvolvimento de estudos e projetos de arquitetura e de
urbanismo.
9. Contratação
de Projetos de Obras Públicas Via Concurso Público de Projetos
Atualmente,
o Estado tem contratado serviços técnicos especializados de projetos de obras
públicas por meio de outras modalidades de licitação (Convite, Tomada de Preço,
Concorrência) sempre visando ao menor preço. Alguns órgãos chegam a cometer a
ilegalidade de contratar projetos por meio de Pregão Eletrônico, que só poderia
acontecer para contratação de serviços comuns. O resultado tem sido obras caras
e de baixa qualidade técnica.
Proposta
Promover a contratação de projetos
somente pela via do Concurso Público de Projetos, previsto na Lei 8.666/93. Por
meio do concurso é possível escolher a melhor solução técnica, a partir de
amplo repertório, para um problema ou programa específico. O Concurso é a forma
mais segura, sustentável, democrática e econômica para a contratação de
projetos de Arquitetura, pois permite a avaliação e escolha do objeto antes de
sua aquisição. O investimento no concurso está fundamentado no princípio de que
quanto maior a atenção e o investimento nas etapas de projeto e planejamento,
menores os riscos de falhas e inadequações em um empreendimento.
Finalmente, espera-se no novo governo
uma análise e uma discussão ampla e mais aprofundada do
Projeto
COPA 2014, visando a uma maior qualificação do desenvolvimento da
cidade e à plena transparência das ações de governo. Propugnamos uma participação mais efetiva das
entidades de arquitetos e demais organizações profissionais e populares no
acompanhamento e controle dos planos, obras e investimentos em geral vinculados
à realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014.
Enfim,
os arquitetos se colocam à disposição do novo Governo do Distrito Federal para
participarem efetivamente das políticas públicas afetas ao nosso âmbito de atuação
profissional, na certeza de que nossa categoria profissional tem muito a
contribuir para o desenvolvimento de Brasília e na expectativa de que a
Arquitetura e as questões urbanas estejam na agenda central do próximo governo.
Brasília, 11 de dezembro de 2010.
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