quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Carta Aberta do Instituto de Arquitetos do Brasil – DF, do Sindicato de Arquitetos – DF e do Grupo de Arquitetos e Servidores do GDF.


          
Carta Aberta do Instituto de Arquitetos do Brasil – DF, do Sindicato de Arquitetos – DF e do Grupo de Arquitetos e Servidores do GDF.


Ao Governador eleito do Distrito Federal
Agnelo Queiroz


A esperança que o novo Governo do Distrito Federal traz aos brasilienses, após uma crise ética sem precedentes no trato da coisa pública, encerra o desafio e o compromisso de governar com a participação efetiva da sociedade brasiliense nas decisões e ações governamentais.
Nessa perspectiva, os arquitetos brasilienses, cientes da relevância da Arquitetura como manifestação cultural, determinante na formação da identidade e da independência de um povo, e como instrumento eficaz de desenvolvimento urbano e humano, desejam contribuir para a formulação e o gerenciamento da Política Urbana do Distrito Federal, apontando algumas questões que demandam atenção prioritária da próxima administração.

1. Integração e Articulação na Gestão do Planejamento Urbano:

Atualmente, as ações de planejamento, desenvolvimento e intervenção urbana no Distrito Federal ocorrem de forma fragmentada e desarticulada. Os órgãos envolvidos com o planejamento urbano atuam sem a devida articulação técnica, com sobreposição de funções e desobediência às diversas instâncias decisórias. Os diversos instrumentos de planejamento existentes, tais como: PDOT, cuja atualização deve ser prioridade do novo governo, PPCUB, LUOS, Código de Posturas, Código de Obras e Edificações, Plano Diretor de Saneamento, Plano Diretor de Transportes, Plano Diretor de Publicidade etc. não têm funcionado de forma integrada. Assim, é fundamental avaliar os mecanismos de ação dos diversos órgãos diretamente envolvidos com a questão urbana, no sentido de promover a integração e articulação, em todos os níveis de governo, de programas de urbanização, de habitação, de regularização urbanística e fundiária, de proteção ambiental, de preservação cultural, entre outros, com a política de planejamento urbano.

Proposta
Efetivar o Sistema de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal – SISPLAN previsto na Lei Orgânica (Art. 326), no sentido de romper com o atual quadro de fragmentação, desarticulação e sobreposição institucional em relação à política urbana, e possibilitar a articulação, compatibilização e complementação das políticas setoriais do governo.
Fortalecer o órgão executivo central do SISPLAN, dotando-a de uma estrutura eficaz, capacitada e compatível para responder por suas responsabilidades quanto às questões urbana, ambiental, habitacional e patrimonial...
...Efetivar o Sistema de Informação Territorial e Urbana do Distrito Federal – SITURB, previsto na Lei Orgânica (Art. 324), na perspectiva de aperfeiçoar o tratamento das informações referentes ao uso e ocupação do solo, e garantir sua disponibilização ao público.

2. Democratização do Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do Distrito Federal – CONPLAN – órgão colegiado que compõe o SISPLAN

A existência do CONPLAN na estrutura do Governo deve viabilizar a participação social na formulação e execução da política urbana. Desse ponto de vista, sua composição deveria contemplar os diversos segmentos que constituem a sociedade, tais como: setor produtivo, organizações sociais, ONGs, entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisa, entidades sindicais e órgãos governamentais. Sua função, consultiva e deliberativa, deveria auxiliar a Gestão Pública na formulação, análise, acompanhamento e atualização das diretrizes e dos instrumentos de implementação da política territorial e urbana, com representatividade e participação efetiva da população. Essa função, no entanto, não está sendo plenamente cumprida, uma vez que tem apenas legitimado as decisões do governo, por serem, os conselheiros, representantes da sociedade indicados pelo próprio governo.

Proposta
Transformação do atual CONPLAN numa instituição nos moldes do Conselho das Cidades do Governo Federal. A proposta é tornar o CONPLAN um fórum efetivamente participativo e representativo da sociedade brasiliense, ampliando a participação da população. Reivindica-se a participação das entidades de arquitetos e de demais organizações profissionais e populares no acompanhamento e controle dos processos de planejamento urbano e territorial, e na definição de critérios para contratação de projetos de arquitetura e de urbanismo de interesse público.

3. Gestão do Patrimônio Cultural da Humanidade

Atualmente a gestão do Conjunto Urbanístico de Brasília, Monumento Histórico Nacional e Patrimônio Cultural da Humanidade, que compreende o sítio histórico definido pela poligonal de tombamento federal, abrangendo quatro regiões administrativas (Plano Piloto, Cruzeiro, Candangolândia e Sudoeste/Áreas Octogonais), está concentrada em uma diretoria da SUPLAN/SEDUMA.
A inexistência de uma estrutura técnico-administrativa distrital, compatível com a demanda protecionista desse patrimônio, explicita não só a falta de prioridade desse tema na agenda política, mas, sobretudo, a imensa fragilidade institucional do Governo do Distrito Federal no trato de uma questão de tamanha relevância e complexidade, haja vista a responsabilidade decorrente dos compromissos governamentais assumidos pela preservação de Brasília como patrimônio histórico nacional e mundial.

Proposta
Criar no âmbito do Governo do Distrito Federal uma estrutura administrativa capaz de responder pela preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, com status político, técnico e operacional compatível com as demandas específicas da área sob tombamento federal e reconhecida como Patrimônio Mundial.
Empreender ações para o estabelecimento de cooperação técnica entre o GDF e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, na perspectiva de garantir ações articuladas de proteção e sustentabilidade do conjunto urbano tombado.
Revisar o atual modelo de consulta à sociedade para o modelo onde as próprias entidades definam as instâncias de discussão. Propõe-se ampliar a discussão com as entidades representativas de segmentos profissionais, econômicos e acadêmicos.

4. Controle e Gestão do Uso e Ocupação do Território

O Distrito Federal sofre com os impactos danosos da ocupação irregular de seu território, causando problemas graves de infra-estrutura urbana e meio-ambiente. O poder público, durante anos, mostrou-se omisso a essa situação, favorecendo movimentos de grilagem de terras públicas e privadas.

Proposta
Fortalecer os mecanismos de controle e vigilância da ocupação do território, inclusive externos ao aparelho governamental, a fim de se evitar o avanço das ocupações irregulares do solo urbano e rural e da grilagem de terras, públicas e privadas, urbanas e rurais, com a responsabilização e punição severa dos infratores.
O GDF deve promover ampla e permanente campanha de difusão das consequências danosas à sociedade, ao meio natural e ao espaço urbano, geradas pela ocupação ilegal do território.

5. Implantação da Lei de Assistência Técnica à Habitação de Interesse Social

A população de baixa renda tem sido historicamente desassistida dos serviços técnicos profissionais do arquiteto ou do engenheiro. Como resultado, muitas habitações são construídas em áreas de risco e sem a técnica que ofereça estabilidade, conforto e dimensionamentos adequados à segurança e ao bem-estar do cidadão. Com a implementação da Lei de Assistência Técnica, a população com renda até três salários mínimos poderá usufruir de toda assistência necessária à construção da sonhada casa própria.

Proposta
Efetivação do instrumento jurídico da Assistência Técnica na produção de Habitações de Interesse Social. A implantação da Lei de Assistência Técnica (Lei 11.888/2009), fruto de mais de 30 anos de luta dos arquitetos, garantirá a universalização do direito à arquitetura, resultando em habitações mais dignas e em soluções construtivas adequadas às condições de trabalho, ao bem-estar da sociedade, respeitando-se o meio-ambiente, e em prol da redução de custos e desperdícios.

6.   Valorização da Estrutura Institucional Pública
A tese do Estado mínimo, que se amparava no ideário neoliberal, onde o mercado seria preponderante e assumiria certas funções de governo, causou, entre outros problemas, o desmantelamento e a desarticulação da máquina pública do Distrito Federal. Raros foram os setores administrativos que conseguiram manter suas estruturas e cumprir satisfatoriamente com as suas obrigações institucionais. Vide o caso da Saúde, da Educação, da Cultura e outros mais.
No setor de planejamento e desenvolvimento urbano a situação não foi diferente. Ao longo dos últimos anos, esse setor perdeu boa parte de sua capacidade técnica e operativa. Convive com uma injustificada defasagem tecnológica que compromete o seu desempenho institucional, sobretudo, no que tange à área de cartografia, arquivamento, elaboração de projetos e geoprocessamento.
Como agravante a esse quadro institucional, as duas principais carreiras responsáveis pelas ações de planejamento e desenvolvimento urbano, convivem com uma incompreensível distorção salarial de cerca de 40%. Enquanto a Carreira de Auditoria de Atividades Urbanas, que é responsável pela fiscalização urbana, possui uma remuneração digna e compatível com as suas atribuições, a Carreira de Planejamento e Gestão Urbana que possui atribuições de mesmo grau de responsabilidade e complexidade percebe um dos menores salários do quadro técnico de nível superior do Governo do Distrito Federal.
Há que se considerar, também, as disparidades existentes entre as remunerações dos cargos comissionados, que privilegiam as assessorias dos gabinetes em detrimento das funções de gerenciamento e direção.
Frente a esse quadro, é imprescindível instituir de imediato uma política consistente e responsável de valorização profissional dos servidores, respeitando-se, não só as particularidades de cada categoria, como também a participação destes na resolução dos seus problemas institucionais.

Proposta
Promover a necessária valorização do ambiente de trabalho, incluindo a revisão salarial dos servidores da Carreira de Planejamento e Gestão Urbana, na perspectiva de corrigir a distorção na remuneração existente.
Rever as remunerações dos cargos comissionados da SEDUMA, de maneira a valorizar as funções de direção, gerenciamento e suas respectivas assessorias.
Prover a instituição de equipamentos e softwares atualizados, e promover a capacitação para atualização tecnológica da estrutura técnico-administrativa da SEDUMA.

7.   Fortalecimento Institucional das Administrações Regionais
As Administrações Regionais são órgãos responsáveis pela execução das ações governamentais em cada Região Administrativa – RA, atuando na prestação de serviços e obras públicas de natureza local, entre as quais constam a análise, a aprovação e o licenciamento de projetos edilícios, bem como o licenciamento e a fiscalização de obras públicas e a expedição de alvarás de funcionamento de atividades econômicas. Este trabalho, pela sua natureza, exige profissionais com qualificação técnica específica.
Atualmente, o Distrito Federal possui 30 RAs e a grande maioria não tem uma unidade técnica estruturada e capacitada para responder por essa atribuição. Além do grande déficit de servidores de carreira da área de planejamento urbano, as Administrações concentram grande número de funcionários apadrinhados políticos. Situação que é agravada pela baixa capacitação técnica e alta rotatividade desses funcionários, cuja permanência fica condicionada aos arranjos políticos.
Este fenômeno cria ainda uma enorme distorção no funcionamento dessas unidades, comprometendo seu desempenho institucional e trazendo sérios prejuízos à gestão territorial e urbana.
Outro problema é a desarticulação entre as ações dessas regionais e a SEDUMA. A criação de mecanismos de aproximação entre o Governo e a comunidade resultaria em uma melhor gestão dos recursos e serviços públicos.

Proposta
Ampliar e capacitar o quadro técnico das RAs, por meio de concursos públicos e programas de capacitação profissional aos servidores do quadro.
Reordenar as estruturas operacionais das RAs e reavaliar suas competências e atribuições técnico-institucional em relação ao planejamento urbano local.
Promover maior articulação técnica-operacional entre as RAs e SEDUMA.
Reavaliar a competência institucional e a estratégia de ação da Coordenadoria das Cidades.

8. Gestão Equilibrada do Processo de Terceirização de Projetos de Arquitetura e Urbanismo

A tese do Estado mínimo, que se amparava no ideário neoliberal, onde o mercado seria preponderante e assumiria certas funções de governo, causou, entre outros problemas, o desmantelamento e a desarticulação da máquina pública do Distrito Federal. Raros foram os setores administrativos que conseguiram manter suas estruturas e cumprir satisfatoriamente com as suas obrigações institucionais. Vide o caso da Saúde, da Educação, da Cultura, entre outros. No entanto, o Governo do Distrito Federal dispõe de arquitetos urbanistas devidamente capacitados e especializados nas atividades de diversos órgãos governamentais, o que os tornam mais aptos a produzirem os projetos respectivos.
A contratação de projetos terceirizados deve ocorrer nos momentos e nas condições em que a administração pública não disponha dos recursos humanos e materiais necessários e suficientes para a execução dos serviços.

Proposta
Fortalecer, ampliar e capacitar a equipe técnica dos órgãos responsáveis por projetos, planejamento e desenvolvimento urbano, de forma que os projetos arquitetônicos e urbanísticos possam ser desenvolvidos, preferencialmente, pelo corpo técnico governamental.
Utilizar critérios de contratação de terceiros para a realização de estudos e projetos pontuais e específicos, inseridos no âmbito de ações estratégicas coordenadas pela equipe técnica da administração pública.
Contratar projetos terceirizados pela modalidade de Concurso Público de Projeto.
Viabilizar convênio com Universidades e instituições de pesquisa, para apoio e troca de experiências referentes ao desenvolvimento de estudos e projetos de arquitetura e de urbanismo.


9. Contratação de Projetos de Obras Públicas Via Concurso Público de Projetos

Atualmente, o Estado tem contratado serviços técnicos especializados de projetos de obras públicas por meio de outras modalidades de licitação (Convite, Tomada de Preço, Concorrência) sempre visando ao menor preço. Alguns órgãos chegam a cometer a ilegalidade de contratar projetos por meio de Pregão Eletrônico, que só poderia acontecer para contratação de serviços comuns. O resultado tem sido obras caras e de baixa qualidade técnica.

Proposta
Promover a contratação de projetos somente pela via do Concurso Público de Projetos, previsto na Lei 8.666/93. Por meio do concurso é possível escolher a melhor solução técnica, a partir de amplo repertório, para um problema ou programa específico. O Concurso é a forma mais segura, sustentável, democrática e econômica para a contratação de projetos de Arquitetura, pois permite a avaliação e escolha do objeto antes de sua aquisição. O investimento no concurso está fundamentado no princípio de que quanto maior a atenção e o investimento nas etapas de projeto e planejamento, menores os riscos de falhas e inadequações em um empreendimento.

Finalmente, espera-se no novo governo uma análise e uma discussão ampla e mais aprofundada do Projeto COPA 2014, visando a uma maior qualificação do desenvolvimento da cidade e à plena transparência das ações de governo. Propugnamos uma participação mais efetiva das entidades de arquitetos e demais organizações profissionais e populares no acompanhamento e controle dos planos, obras e investimentos em geral vinculados à realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014.

Enfim, os arquitetos se colocam à disposição do novo Governo do Distrito Federal para participarem efetivamente das políticas públicas afetas ao nosso âmbito de atuação profissional, na certeza de que nossa categoria profissional tem muito a contribuir para o desenvolvimento de Brasília e na expectativa de que a Arquitetura e as questões urbanas estejam na agenda central do próximo governo.


Brasília, 11 de dezembro de 2010.
            

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